Dica da Cachola - O Senhor do lado esquerdo
Os primeiros historiadores do romance policial, como E.M. Wrong ou Howard Haycraft, sempre defenderam que o gênero detetivesco só poderia ter surgido na cidade moderna – afinal, é na cidade como a conhecemos a partir da modernidade que se estabelece uma força policial de fato, e a investigação do crime passa a ser conduzida por algo semelhante a “procedimentos técnicos” e não a meramente pendurar de cabeça para baixo o primeiro que aparecesse. Pois em seu novo livro, O Senhor do Lado Esquerdo, o escritor carioca Alberto Mussa reverte a afirmativa e constrói uma história anedótica do Rio como cidade a partir da análise de seus crimes.
Mussa é um dos grandes talentos do atual romance nacional, mesclando em sua narrativa o discurso ficcional e o acadêmico. Neste novo livro, ele retorna a um estilo característico que já havia apresentado no elogiado O Movimento Pendular(2007): uma história ficcional apresentada na moldura de um trabalho intelectual especulativo com uma tese de fundo. EmO Movimento… essa tese era a formulação de uma tipologia do adultério. Em O Senhor do Lado Esquerdo, a defesa de que o espírito de uma cidade está contido na história de seus maiores crimes.
O romance se organiza como uma ficção comentada. A parte romanesca reconta o caso de um crime ocorrido em um bordel oculto no casarão onde oficialmente funciona o consultório de um respeitado médico polonês. É lá que, em determinado dia de 1913, um alto secretário de governo do presidente Hermes da Fonseca é encontrado morto, nu e amarrado à guarda de ferro da cama, estrangulado pelos dedos fortes de um assassino que se aproveitou dos gostos eróticos inusitados do secretário — que incluíam justamente ser amarrado à cama e supliciado pelas amantes.
A prostituta que o atendia, Fortunata, vista entrando no quarto mais de uma vez, desaparece após o crime, e as investigações se concentram em dois homens: o velho feiticeiro Rufino, macumbeiro conceituado mesmo entre os policiais, e com quem é encontrado um par de brincos pertencente à desaparecida; e o descarado malandro Aniceto, irmão de Fortunata. Cada estágio da investigação corresponde a um estágio da tese defendida no livro, a de que os crimes momentosos de uma cidade dizem muito de sua história. A cada novo episódio da investigação, o narrador neutro de Mussa discorre sobre outros episódios semelhantes registrados na crônica policial do Rio antigo – a lenda de uma bruxa emparedada, os primeiros registros da violação de cemitérios…
Depois do terço inicial, o romance se torna também um desafio de sedução – o perito Sebastião Baeta, responsável pelo caso, também ele criado entre a malandragem, começa a travar um duelo com o sinuoso Aniceto para ver qual dos dois seduz o maior número de mulheres, transformando a narrativa de um crime em um tratado da malandragem – ambas, segundo o romance, bastante elucidativas do espírito do Rio de Janeiro.
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